Dar aquilo que se tem de melhor


Uma parte da minha infância vivi sem muitos amigos para brincar, apesar de na minha vizinhança existir várias outras crianças, a rigidez de nossos pais era muito grande. Quando os pais permitiam esses raros encontros com as outras crianças, era um momento único para nós. Claro que existia um tempo rigidamente contado por eles com hora para acabar. Geralmente à noite, logo após o termino da conversa deles, os adultos.

Eu tinha um amiguinho em especial no qual gostava muito que se chamava Cláudio, carinhosamente eu o chamava de Claudinho. Ele tinha apenas uma irmã e por ser o único filho homem daquela família, estava quase sempre brincando sozinho. Sempre que podíamos estávamos juntos, geralmente eu aí na casa dele em frente à minha. Minha avó me permitia brincar apenas com ele porque sabia que era um bom menino. Às vezes eu chegava até a almoçar na casa do Claudinho. Praticamente, ele era o único amigo que eu tinha e confiava. Nunca brigamos. O Claudinho tinha um bom coração e era cheio de solicitude.


Como já citei neste blog algumas vezes, mais uma vez eu cito o episódio de minha mudança para outra cidade, onde deixei para trás o meu mundo e minha realidade. Tive que deixar coisas e pessoas queridas, para viver uma nova fase de minha vida, onde eu fui introduzido repentina e precocemente na realidade da cidade grande. Assim, tive que deixar para traz meu melhor amigo, além do Duque (meu cachorro). Vale lembrar que antes do Duque chegar na minha vida, o Claudinho já fazia parte dela e sempre fez.  Quando conheci meu pai, lá pelos 07 anos, comecei a ganhar bons brinquedos, não tão comuns às crianças da minha realidade. Brinquedos esses, enviados por ele que então morava em Belém. Lembro que alguns desses brinquedos, talvez ainda nem fosse encontrados ou vendidos em minha cidade natal.

Como sinal de amizade e lembrança ao vir morar na Capital, deixei com o Claudinho os meus melhores brinquedos que possuía. Lembro-me que lhe entreguei um belo helicóptero e um carro à "fricção" que meu pai tinha me presenteado. Para mim era sinal de amizade e gratidão, pois me desfiz daquilo que mais tinha de valor, que eram aqueles brinquedos, pois eu os considerava os melhores que eu possuía, para presentear o meu melhor amigo de infância. Não tive de volta nenhuma lembrança sua, como forma de agradecimento, mas não era o que eu queria. Nada em troca me faria tão feliz, como a felicidade e a alegria de ver meu amigo, ao ficar e cuidar dos meus brinquedos.


Comecei então desde aí inconscientemente, à praticar um principio que deveríamos sempre ter dentro de nós, que é “dar aquilo temos de melhor”.  Eu poderia ter trazido comigo na viagem aqueles “valiosos” brinquedos, mas preferi deixar com aquele que eu considerava cuidar melhor deles do que eu. Aqueles dois brinquedos eram o que eu tinha de melhor, pois em meio à tantos outros brinquedos que tinha, esses dois se destacavam, pois eram os brinquedos que eu mais gostava e cuidava.

O cuidado do Claudinho com aqueles brinquedos era tão grande, que sempre que eu voltava à sua casa para visitá-lo, lá estavam aqueles brinquedos em um local muito bem guardado por ele, a impressão que eu tinha, era de que eles só os tirava daquele lugar, quando nos encontrávamos. Sua mãe me dizia que ele nem ao menos brincava com os brinquedos que eu havia lhe presenteado. Eles eram guardados à sete chaves, como um sinal de respeito e lembrança de nossa grande amizade.

Talvez nem sempre tenhamos o devido reconhecimento, quando damos aos outro, o que de melhor temos, mas o importante é dar, é se esvaziar de nós mesmos para o outro. Dar o que temos de melhor, é não querer reconhecimento e nem recompensa, mas é se despojar e compartilhar daquilo que trazemos de valioso dentro de nós, em beneficio do outro, para o vermos feliz.


Nos dias de hoje onde o egoísmo é cada vez maior, saber partilhar o que temos de melhor é um grande desafio, pois exige de nós mesmos uma atitude corajosa. Nem todo mundo hoje esta disposto à se desvencilhar e partilhar coisas boas e preciosas com as outras pessoas. É mais fácil ficar usufruindo sozinho e se auto-beneficiar, do que levando ao conhecimento do outro, algo que de melhor trazemos e guardamos. Talvez isso só seja possível quando queremos algo em troca, quando queremos fazer da bondade e da solicitude uma moeda de troca, e isso o mundo está cheio. Cheio de interesse próprio.

Nunca mais vi o Claudinho, nem ao menos voltei mais na sua casa. O tempo passou e talvez hoje ele esteja casado, já com uma família constituída. Sempre lembro-me dele, de nossas brincadeiras juntos e dos momentos compartilhados. A maior lembrança que tenho desse amigo-vizinho, é a de um menino de bom coração, que fazia questão de ir na minha casa pedir permissão para a minha avó, para que eu fosse brincar com ele na sua casa. Deixar com eles aqueles brinquedos, talvez não fosse o suficiente, diante de tanta bondade e amizade, mas o importante foi que eu que me desfiz daquilo que julgava ser o melhor que eu possuía, para fazê-lo feliz, como forma de dizer à aquele amigo: “Muito obrigado por tudo!”

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